segunda-feira, 18 de março de 2013

Vá explicar...



Ah! Se a vida fosse regida pela lógica... Ah! Se tomar consciência de algo fosse o suficiente para abandonarmos o que, aparentemente, nos incomoda. Tanta coisa que a gente sabe, mas saber não é o bastante para nos fazer mudar. Tanta coisa que a racionalidade impera em nos dizer que não é o certo, mas a inconsequência do fazer nos impulsiona a repetir. Vá explicar...

A gente fuma por que o prazer do tabaco ainda é maior do que a dor que ele pode causar. É na certeza de que não seremos vítimas premiadas de um pulmão cinzentamente inutilizado que continuamos a encher nossa vida de fumaça tóxica, por que parece que, dessa maneira, uma nuvem esconde a luz ofuscante dos nossos nós. Vá explicar...

A gente tem clareza de ideias, enxerga com olhos de águia, escuta quando nos é conveniente, mas em matéria de ação, somos impelidos a recuar ou a desviar do caminho que nos parece correto. Parece que nosso “guia maior”, “aquele” que fala por nós mesmos quando estamos em silêncio, supera a coerência em busca de realização daquilo que é tudo aquilo que jamais faria parte de nós. Aí tudo fica sem sentido, a gente não sabe o porquê, não encontra um motivo, mas apenas e tão somente – faz. Vá explicar...

A gente brinca com a vida como se o amanhã não chegasse, como se, errando hoje, não fôssemos receber a conta atrasada amanhã. A gente brinca com as pessoas como se elas fossem personagens de um “jogo de faz de contas”, mas exigimos dos outros regras duras e rigidez nas relações. A gente quer amor, mas fabrica diariamente produtos da discórdia e da desunião. Vá explicar...

A gente adia, protela, procrastina, mas exige o resultado diferente do que plantou. A gente se olha no espelho, constata as rugas do tempo na face encoberta pela “aparência nada mais” e ainda assim escolhe a maquiagem ideal para continuar disfarçando os sulcos da frustração de não ser. Vá explicar...

A gente é consciente do fim da vida, mas vive como se não fosse morrer. Abusa da sorte, confia no acaso, maltrata o corpo, mas pede saúde a Deus quando a ínfima dor física mostra a cara. Promessas de reeducação, barganha de desespero, negociações de qualquer preço para retomar a homeostase. Entretanto, quando o sintoma desaparece, voltamos a usufruir dos excessos e aquela “dorzinha insignificante” fica no passado, de preferência, num espaço totalmente inatingível ao nosso acesso. Vá explicar...
A gente sofre por amor, a gente ama por sofrer, mas sempre acabamos buscando um jeitinho de não fugir desse ciclo, mesmo que a vida nos ofereça algo diferente. Sem amor, sofremos; amando, também... Tudo por não conseguir reunir na vida vivida o encontro difícil entre a fantasia e o real. Vá explicar...

A gente usa a memória como depósito de mágoas, mas temos o esquecimento como arma para anular o bem feito, em detrimento dos detalhes imperfeitos. A gente não quer lembrar de esquecer, mas quer esquecer de lembrar da nossa responsabilidade pessoal de fazer. Vá explicar...

Vá explicar... Melhor nem tentar... Explicando não nos livraremos das consequências do inexplicável. Inexoravelmente, cairemos no discurso vazio da verdade absoluta. Por que verdade é tudo aquilo que nossos olhos enxergam. Verdade é tudo aquilo que nossos ouvidos desejam escutar, é tudo aquilo que é dito no meio do calado, em palavras indizíveis, em mentiras verdadeiramente acreditadas... Vá explicar...
Texto de Cristina Hahn

 

sexta-feira, 8 de março de 2013

Quieto...Assim, quieto

"Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miudas. E me encantei."
 Manoel de Barros.
Estou deixando o coração aquietar e voltar a sonhar. Os dias nublados estão passando e já não costumo olhar tanto para o tempo que vai escorregando ladeira abaixo no jeito brejeiro de menina teimosa. Estou buscando as preciosidades que fui perdendo no nevoeiro. E já posso sentir o vento levando as folhas desse outono na minha estação do viver. Andei conferindo as coisas miudas, engavetei algumas necessárias, outras fui descartando. Já não sei se servem nesse corpo que cresceu, nesse pensamento quieto que não se inquieta tanto quando não vê o entardecer. Me encantei com o jogo do contente, a sonoridade de uma voz, a cantiga antiga no som de um carro que passou na rua. Me vi menina, descendo a ladeira do Icó num Jeep antigo, balançando os cabelos e sonhando com viagens que nunca fez. Encontrei-me quietinha buscando uma baladeira para correr em busca de um passáro que voou pra longe. Me encantei com as lembranças, os cheiros da infância, o doce de coco com mamão, a paçoca de pilão, o cheiro das castanhas e a coreografia da tarde nos quintais. Voltei!!! Não sei se quero sair desse estágio, dessa nova quietude, desse encantamento.